Contrato de Empréstimo: Mútuo e Comodato

O vocábulo empréstimo, usado comumente na linguagem coloquial, não guarda relação com o sentido jurídico, conforme será demonstrado.

17 OUT 2018 · Leitura: min.
Contrato de Empréstimo: Mútuo e Comodato

1. INTRODUÇÃO

O vocábulo empréstimo, usado comumente na linguagem coloquial, não guarda relação com o sentido jurídico, uma vez que naquele não se distingue o objeto ou a forma de restituição, sendo, portanto, comum utilizar do mesmo vocábulo para diversas situações como emprestar um carro, emprestar dinheiro entre outras.

Nesse sentido, expõe Manuel Ignácio Carvalho de Mendonça que:

O vocábulo vulgar empréstimo não tem em direito a mesma significação técnica. No primeiro sentido, ele exprime a entrega de um objeto a alguém, que assume a obrigação implícita de o restituir, em um prazo mais ou menos determinado. Não se trata, porém, de distinguir a natureza do objeto, nem a forma da restituição. Assim, tanto se diz: emprestar um cavalo, ou emprestar dinheiro, como emprestar um prédio. O direito, ao contrário, partindo da forma por que deve ser feita a restituição, considera o empréstimo sob dois pontos de vista e o ramifica em dois institutos que são, na verdade, inconfundíveis: o mútuo e o comodato.

Conforme visto, diferentemente do sentido coloquial ou vulgar do vocábulo empréstimo, o direito, em contrapartida, faz uma análise sob dois pontos de vista, subdividindo-o em dois institutos que não se confundem, o mútuo e o comodato.

Dessa forma, serão analisadas primeiramente as diferenças entre esses dois institutos jurídicos, com base no doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, expondo aquilo que os diferencia entre si, e posteriormente será exposto cada instituto individualmente, abordando seu conceito, características, prazo, partes, objeto, sua extinção entre outros.

2. DIFERENÇAS ENTRE COMODATO E MÚTUO

Em se tratando das diferenças entre comodato e mútuo, o ilustre doutrinador Carlos Roberto Gonçalves aponta três distinções de fundamental importância para compreensão do tema.

Primeiramente, o comodato é empréstimo apenas para uso, enquanto que o mútuo é para consumo. Exemplificando, há operadoras telefônicas que oferecem em comodato ao consumidor, quando este adquire um plano de internet banda larga, o modem de acesso à internet, devendo este objeto, em tese, ser devolvido à operadora telefônica contratada, na extinção do contrato. Em relação ao mútuo, trata-se de empréstimo de coisa fungível, devendo ser restituído ao mutuante coisa de mesmo gênero, grau e quantidade, a exemplo, o empréstimo de uma saca de café.

A segunda distinção é que, no comodato, a restituição será a da própria coisa emprestada, ao passo que no mútuo será de uma coisa equivalente, consoante se demonstrou nos exemplos retro transcritos.

Por fim, o comodato é essencialmente gratuito, enquanto o mútuo tem, na compreensão moderna, em regra, caráter oneroso. Embora possa ser gratuito, raramente se vê, na prática, as pessoas emprestarem coisas fungíveis, máxime dinheiro, sem o correspondente pagamento de juros.

3. COMODATO

Em se tratando do comodato propriamente dito, o Código Civil em seu artigo 579 estabelece que: "O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto ".

Numa perspectiva doutrinária, Pablo Stolze Gagliano conceitua o comodato como: "um negócio jurídico unilateral e gratuito, por meio do qual uma das partes (comodante) transfere à outra (comodatário) a posse de um determinado bem, móvel ou imóvel, com a obrigação de o restituir".

O contrato de comodato tem como característica a gratuidade, porque decorre de sua própria natureza, pois se assim não fosse, confundiria com a locação. Exemplificando, um sujeito que possui um imóvel na praia o empresta gratuitamente a seu amigo para que este possa gozar suas férias. Trata-se, portanto, de um contrato de comodato, pois se este empréstimo fosse oneroso, estaria referindo-se a um contrato de locação e não de comodato.

Outra característica é a infungibilidade do objeto, pois implica a restituição da mesma coisa recebida como empréstimo, a exemplo do modem para acesso a internet banda larga, mencionado anteriormente. Sendo assim, se o objeto fosse fungível ou consumível haveria mútuo e não comodato.

Nesse sentido veja-se a jurisprudência infratranscrita:

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO MANDAMENTAL MANEJADA COMO SUBSTITUTIVO DE AÇÃO DE COBRANÇA. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. CONTRATO DE COMODATO. NÃO INCIDÊNCIA DE ICMS. 1. O Mandado de Segurança não serve como substitutivo da ação de cobrança, devendo a restituição vindicada ser reclamada na via administrativa ou por via judicial própria, nos termos das Súmulas 269 e 271 do STF, o que revela a inadequação da via eleita. 2. O Gerente de Revisão de Notificações? GERN e o Diretor do Departamento de Análise e Revisão Fiscal? DEARF, ambos da Secretaria de Fazenda do Estado do Amazonas, por serem os responsáveis pelos despachos proferidos na esfera administrativa, enquadram-se no conceito legal de autoridade coatora, segundo o art. , § 3º, da Lei nº 12.016/2009. 3. O contrato de comodato, por ser um empréstimo a título gratuito de bens infungíveis e com cláusula de devolução findo o termo estipulado no negócio jurídico, não constitui fato gerador do ICMS, pois incompatível com a acepção jurídica de "mercadoria", isto é, bens destinados à finalidade comercial, em que há a transferência da propriedade. Nesse sentido, caminham a Súmula 573 do STF, a Lei Complementar Estadual nº 19/197, em seu art. 8º, XII, e o Decreto nº 20.686/1999, art. 4º, XII. 4. Apelações conhecidas e desprovidas.(TJ-AM - APL: 02032739520128040001 AM 0203273-95.2012.8.04.0001, Relator: Carla Maria Santos dos Reis, Data de Julgamento: 04/03/2015, Câmaras Reunidas, Data de Publicação: 05/03/2015). (grifou-se).

Ainda, existe a necessidade da tradição para seu aperfeiçoamento, o que torna um contrato real. É também unilateral, gerando obrigações somente para o comodatário. Este, de acordo com o artigo 582 do Código Civil, tem o dever de conservar a coisa, usar de forma adequada e restitui-la no prazo convencionado, ou, não sendo este prazo determinado, findo o necessário ao uso concedido.

Extingue-se assim o comodato pelo advento do termo convencionado, ou pela utilização da coisa de acordo com a finalidade para que foi emprestada, como no exemplo do sujeito que empresta a casa de praia, findando-se o prazo no termino das férias do amigo.

Extingue-se também pela resolução, em caso de descumprimento, pelo comodatário, de suas obrigações. Por sentença, a pedido do comodante, provada a necessidade prevista e urgente. E por fim, pela morte do comodatário, se o contrato foi celebrado intuitu personae.

4. MÚTUO

Conforme reza o artigo 586 do Código Civil, "mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade ".

Conceitua o tema Pablo Stolze Gagliano afirmando que,

Conceitualmente, o mútuo consiste em um "empréstimo de consumo", ou seja, trata-se de um negócio jurídico unilateral, por meio do qual o mutuante transfere a propriedade de um objeto móvel fungível ao mutuário, que se obriga à devolução, em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.

Destarte, o contrato de mútuo constitui empréstimo para consumo, pois o mutuário não é obrigado a devolver o mesmo bem, como ocorre no comodato, mas sim coisa da mesma espécie.

Abordando suas características, o mútuo é empréstimo de consumo enquanto que o comodato é de uso. Desta forma, o mútuo tem por objeto coisas fungíveis, desobrigando-se o mutuário ao restituir coisa da mesma espécie, qualidade e quantidade.

Corroborando o entendimento supramencionado veja-se jurisprudência abaixo:

PROCESSO CIVIL. AÇAO MONITÓRIA. CONTRATO DE MÚTUO. SENTENÇA PROCEDENTE. APELAÇAO VISANDO A MODIFICAÇAO DO VALOR DA ATUALIZAÇAO MONETÁRIA. APLICAÇAO DOS ARTIGOS 591 E 406 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. A) O contrato celebrado entre as partes é um contrato de mútuo, (fls. 40/43), onde ocorreu o empréstimo de sacas de café, tendo sido combinada a sua devolução mais acréscimos de atualização financeira. B) Segundo o artigo 586 do Código Civil, o contrato de mútuo é conceituado como o empréstimo de coisas fungíveis. C) O art. 591 do Novo Código Civil é claro ao dispor que presume-se devidos juros quando o mútuo destina-se a fins econômicos, ou seja, quando o mutuante contrate no exercício da atividade empresarial, ou exerça profissionalmente a atividade de mutuante. D) Tal disposição é aplicável aos contratos de mútuo independentemente do gênero da coisa mutuada, no entanto surge o direito a juros com mais propriedade no mútuo pecuniário, de dinheiro. Trata-se dos juros convencionais ou remuneratório. A redação do artigo é a seguinte, verbis"Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual." E) O artigo fixa que a taxa de juros não poderá ultrapassar a taxa a que se refere o art. 406: Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.(TJ-ES - AC: 54060002943 ES 54060002943, Relator: RONALDO GONÇALVES DE SOUSA, Data de Julgamento: 28/04/2009, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 18/05/2009). (grifou-se).

Importante destacar que o contrato de mútuo acarreta a transferência do domínio, o que não ocorre no comodato, permitindo a alienação da coisa emprestada, ao passo que o comodatário é proibido de transferir a coisa a terceiro.

O contrato de mútuo é real, aperfeiçoando-se com a entrega da coisa emprestada. É unilateral, pois quando entregue a coisa as obrigações recaem somente sobre o mutuário.

Em que pese ser tratado no Código Civil como contrato gratuito, existe a figura do mútuo feneratício, onde ocorre o empréstimo de dinheiro com estipulação de juros, sendo, portanto, um contrato oneroso.

Por fim, trata-se de um contrato temporário, pois se perpétuo fosse, estaria a se falar de doação e não de mútuo.

Daniel Oliveira Silva


REFERÊNCIAS

MENDONÇA, Manuel Ignácio Carvalho de. Contratos no Direito Civil Brasileiro, 4. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1957. P. 99-100

GONÇALVES, Carlos Roberto; LENZA, Pedro - Coordenador. Direito Civil Esquematizado, v. 2, – 2. Ed. Rev. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2014, p. 141.

Disponível em: acesso em: 29/05/15 as 19:25.

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil. Vol. 4: tomo II: contratos em espécie - 7. Ed. Rev. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2014. P. 248.

GONÇALVES, Carlos Roberto; LENZA, Pedro - Coordenador. Direito Civil Esquematizado, v. 2, – 2. Ed. Rev. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2014, p. 148.

Disponível em: acesso em: 30/05/15 as 20:31.

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil. Vol. 4: tomo II: contratos em espécie - 7. Ed. Rev. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2014. P. 261. GONÇALVES, Carlos Roberto;

LENZA, Pedro - Coordenador. Direito Civil Esquematizado, v. 2, – 2. Ed. Rev. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2014, p. 155.

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