Crimes sexuais: o dia a dia num escritório

Os crimes sexuais voltam a estar no centro da atenção dos meios de comunicação, com a revalação de casos de estupro em uma universidade de São Paulo.

14 JAN 2015 · Leitura: min.
Crimes sexuais: o dia a dia num escritório

Os crimes sexuais voltam a estar no centro da atenção dos meios de comunicação, com a revalação de casos de estupro em uma renomada universidade de São Paulo. A verdade é que os números registrados no país denotam uma situação grave, com mais de 50 mil casos no ano passado. O panorama se complica se consideramos que somente 35% das vítimas de uma violência sexual formalizam uma denúncia junto à Polícia.

Para entender o impacto deste tipo de demanda na realidade de um escritório de advocacia e também para descobrir particularidades de um trabalho de defesa ou acusão, entrevistamos o advogado Heitor Luiz Bender, um dos responsáveis pelo escritório Bender e Fernandes Advogados.

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MundoAdvogados.com.br: os casos de crimes sexuais representam que porcentagem na demanda geral do escritório?

Heitor Luiz Bender: Diante da mudança relativamente recente em nossa legislação criminal no que se refere aos crimes sexuais, da Lei 12.015 de 7 de agosto de 2009, que reformou o Título VI do Código Penal Brasileiro, antes intitulado de crime contra os costumes e passando para nomenclatura de crimes contra a dignidade sexual, houve mudanças substanciais no campo do estupro. A referida lei inovou neste tipo de crime, mas o legislador perdeu oportunidade de modificar outros tipos importantes como o ultraje público ao pudor.

A procura e a porcentagem destes tipos de delitos em nosso escritório aumentou significativamente. Todavia, por uma questão interna e de cunho moral, Bender & Fernandes Advogados atua preferivelmente na defesa dos interesses das vítimas destes delitos, somente figurando a bancada de defesa diante da certeza material da inocência do acusado.


MundoAdvogados.com.br: existem entraves ao trabalhar com esses tipos de casos?

Heitor Luiz Bender: Sim, os entraves no atendimento e atuação perante os crimes cometidos contra a dignidade sexual são diversos, primeiro pelo preconceito e pelo ambiente hostil que figura as entrelinhas destes casos, visto que acusados por cometer delitos sexuais, ainda que não condenados, são tratados como verdadeiros "predadores sexuais" e depravados pela sociedade de um modo geral, que instigada pela mídia, antecipadamente pré-julgam o acusado e o condenam a "guilhotina" da opinião publica.

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Vale lembrar que tal julgamento e condenação se estendem também ao advogado defensor, que é execrado e derrocado pela opinião pública, muitas vezes tendo sua idoneidade moral questionada e sua carreira profissional abalada.

Outro ponto que tranqueta a atuação do advogado é que, por ser um crime cometido na sua maioria contra as mulheres, normalmente não é denunciado. Ainda mais porque muitos desses crimes são cometidos dentro da própria família (pai contra filhas, companheiro contra a companheira, padrasto contra enteada).


MundoAdvogados.com.br: quais os desafios enfrentados em casos de denúncias de estupro?

Heitor Luiz Bender: A meu ver existem dois grandes desafios a serem encarados quando nos deparamos com uma denuncia de estupro. O primeiro é a manutenção e suporte psicológico imediato, que deve ser dispensado à vítima do delito, visto que os danos e os custos de tal conduta criminosa são imensuráveis e incalculáveis, não só em um ambiente privado e familiar, mas como para toda a sociedade.

O segundo é garantia da integridade física do acusado. Não é segredo para ninguém que acusados de cometer crime de estupro, os conhecidos "duques", sofrem tortura e abuso sexual dentro de penitenciárias e delegacias, quando deveriam ser salvaguardados pelo poder público que lhes acautela, bem como não são poucos os casos em que se descobre que a acusação dispensada sob o réu é inverossímil e forjada pela própria vítima.

Por fim, cabe ressaltar um último desafio, o qual, a meu ver, não é o mais importante, todavia deve ser encarado com profissionalismo e atenção pelo advogado atuante em casos de denúncia de estupro, sob pena de violar e denegrir a imagem e os interesses do cliente. Tal desafio se refere à imprensa e aos meios de comunicação, que por diversas vezes extrapolam o direito e dever de informar para achincalhar e se promover às custas do fato.


MundoAdvogados.com.br: seria necessária alguma revisão no Código Penal para os crimes sexuais?

Heitor Luiz Bender: A meu ver, com a entrada em vigor da Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, mudando o Título VI da parte especial do Código Penal, que passou a ser denominado "Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual", entendeu o legislador que esta expressão é uma vertente do Princípio da dignidade da pessoa humana, o qual representa um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III, CF/88), bem como de uma forma geral, a nova Lei trouxe significativas e boas mudanças aos crimes sexuais.

Todavia existem alguns pontos que ainda merecem ser apreciados. Primeiramente devemos nos ater a figura do "Estupro de Vulnerável", previsto no artigo 217-A, onde a letra da lei traz:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão de 8 a 15 anos.

Em análise a tal dispositivo, parece-me um pouco irracional a forma de tipificação da conduta, pois hoje vemos que os jovens iniciam sua vida sexual cada vez mais cedo e, além disso, se autodeterminam muito bem nesse sentido. Não estou dizendo que se deve descriminalizar o estupro de vulnerável, pelo contrário, tal conduta é extremamente grave. Todavia deveria ser integralizada ao estupro comum como forma qualificadora ou algo do gênero, pois não se deve incriminar quem mantém relações com um adolescente de forma voluntária.

Outro artigo que merece o enfoque crítico é o artigo 229 do CP, que incrimina a prostituição, apesar das críticas por parte da doutrina e da jurisprudência sobre a não necessidade de se incriminar uma conduta tolerada (muitas vezes aceita), por grande parte da população.

Fotos (ordem de aparição): ** RCB ** e QuinnDombrowsk (Flickr)

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