Apontamentos sobre o crime de deserção

Deserção é crime propriamente militar e tem muitas peculiaridades. Esse pequeno artigo tem o objetivo de esclarecer algumas questões.

1 AGO 2016 · Leitura: min.
Apontamentos sobre o crime de deserção

É relevante um estudo sobre o crime de deserção, que é um dos mais tradicionais e importantes da legislação Penal Militar, que afeta o serviço e dever militar, bens jurídicos que estão relacionados à estrutura e finalidade das Forças.

O crime de deserção (que, além de ser propriamente militar, pois somente pode ser cometido por militar, é também tipicamente militar, haja vista, sua previsão tão somente legislação penal militar) é aquele em que o militar que se ausenta sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias.

É um delito considerado tão essencial, visto que seu tratamento penal é diferenciado dos demais crimes militares, por ter uma prescrição especial, bem assim, uma persecução penal mais célere e ao mesmo tempo mais rigorosa.

Lembrando que o sob a ótica do mundo civil, o abandono de emprego não constitui crime algum. Apenas enseja, de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador. Neste sentido, se o empregado deixa de comparecer ao serviço sem qualquer justificativa ou comunicado, por um período superior a trinta dias, supõe-se que não tem mais interesse em continuar mantendo o vínculo empregatício, e pode, a partir deste momento, ser dispensado de seu serviço por justa causa.

Entretanto, não é o que ocorre na vida castrense. O militar que, sem justa causa, ausenta-se da Unidade em que serve ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias, é considerado criminoso do delito de deserção (art. 187, CPM), ficando sujeito à pena de detenção que varia de seis meses a dois anos.

A deserção é um crime gravíssimo do ponto de vista militar, pois atinge diretamente um de seus pilares básicos, a disciplina.

Nessa linha de raciocínio, o professor Jorge César de Assis, entende ser o crime de deserção:"[...] permanente porque a consumação se prolonga no tempo e somente cessa quando o desertor é capturado. E é de mera conduta (ou simples atividade) porque se configura com a ausência pura e simples do militar, além do prazo estabelecido em lei, sem necessidade de que da sua ausência decorra qualquer resultado naturalístico. A lei contenta-se com a simples ação (deserção) ou omissão (insubmissão) do agente" (pg.1,2002).

Em contrapartida, Jorge César de Assis, entende que a classificação da deserção como delito instantâneo é absurda, já que o crime instantâneo é aquele que uma vez consumando,está encerrado, a consumação não se prolonga.

A deserção se consuma no primeiro minuto do nono dia de ausência ilegal do militar. A consumação se protai no tempo, permanecendo enquanto o agente continua ausente da unidade militar. Somente se cessa por vontade do desertor (apresentação) ou por motivo alheio a sua vontade (captura), por isso é crime permanente.

No tocante a prescrição do delito de deserção, pode-se dizer que é exceção no ordenamento jurídico penal militar, tendo em vista que possui regra própria e especial. (ROTH, 202).

Dispõe o artigo 132 do Código Penal Militar: "no crime de deserção, embora decorrido o prazo da prescrição, está só extingue a punibilidade quando o desertor atinge a idade de 45 anos, e se oficial, a de 60".

A partir da leitura do citado artigo, tem-se a impressão de que a prescrição só ocorre, em qualquer hipótese,quando o seu autor completa 45 anos, e se oficial tem 60 anos de idade. Trata-se de regra especial, adotando-se o critério etário.

Entretanto, o artigo 125 do CPM, estabelece quando ocorrerá a prescrição da ação penal, tendo por base o máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, e o delito de deserção tem como prescrição o decurso de quatro anos dado que sua pena máxima é de dois anos, ou seja,regra geral.(inciso VI do artigo 125).(ROMEIRO,1994). Assim preceitua o artigo 125, inciso VI:

"A prescrição da ação penal, salvo o disposto no § 1º deste artigo, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:"

"VI – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;"

Entretanto, em quem momento essas regras serão aplicadas, qual dos dispositivos legais deve incidir para o crime de deserção? Aparentemente a regra do artigo 132 exclui a regra precedente do artigo 125, ocorre que essas normas devem coexistir e se conciliar, como veremos a seguir.

Sendo a deserção crime permanente sua consumação só se cessa com a captura ou apresentação voluntária do desertor à sua unidade militar.

Apresentando-se ou tendo sito capturado o desertor, retorna ele por reinclusão em virtude de inspeção de saúde, ou reversão, ao serviço ativo das Forças Armadas, perdendo a qualidade de desertor, onde começará a correr o termo inicial da prescrição, "já que o status de militar é condição de procedibilidade do processo de deserção". (ASSIS. 2005. pg. 2)

O termo desertor engloba tanto aquele que pratica a deserção como o que cessou a prática delituosa. Portanto, "essa dubiedade do termo, levou a jurisprudência a distinguir o desertor do trânsfuga", (ROTH, 2002. pg.25).

Por desertor entende-se aquele que cessou sua atividade criminosa, seja capturado ou apresentando-se voluntariamente, e que preenchidas as condições legais, será réu no delito de deserção. O trânsfuga é o agente que pratica a deserção, ou seja, aquele que ainda está na prática do delito. (ROTH, 2002). Essa distinção é importante, em face das regras previstas nos artigos 125 e 132 do CPM.

Nesse contexto, os dois dispositivos incidirão no crime de deserção. Entretanto, o critério etário, estabelecido no artigo 132, é o único que se aplica à hipótese do trânsfuga, aquele que permanece na condição de desertor. (ROTH. 2002). "O artigo 132 somente tem aplicação ao desertor que, sem se ter apresentado ou haver sido capturado, atinge a idade de 45 anos e, se oficial, a de 60." (ROMEIRO, 1994, pg.311).

Foto: por Salvador Altimir (Flickr)

Escrito por

Helena Guerreiro Advogada

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