A banalização do dolo eventual nos crimes de repercussão social e midiática

A aplicação do dolo eventual nos delitos de grande midiática e clamor social, é um problemas do direito criminal, pois acaba por banalizar o conceito de dolo eventual dentro da teoria do delito

14 ABR 2025 · Leitura: min.
A banalização do dolo eventual nos crimes de repercussão social e midiática

Desta forma, se acentua a seletividade penal nos processos de criminalização secundária [1], transformando delitos incialmente culposo com resultado midiaticamente repercutidos, em delitos dolosos, por dolo eventual, em clara tentativa de se satisfazer o desejo de punição da "opinião pública" e acalmar o clamor social.

Portanto, o sistema de justiça criminal precisa evoluir, sobretudo no aprimoramento quanto a aplicação das normas penais em delitos culposos de grande repercussão midiática e que tenham grave resultado naturalístico. O direito processual penal brasileiro vem passando nos últimos anos, por uma série de reformas, ainda que parciais, tendo como o escopo melhor prestação jurisdicional, com adequação da legislação ao CF, em especial ao princípio acusatório e a presunção do Estado de inocência, onde se tem busca assegurar a todos os envolvidos, o devido processo legal.

Os crimes culposos, em regra, são previstos como tipos penais abertos, pois a lei não tipifica de forma expressa qual comportamento é culposo ou não, deixando essa tarefa por parte para os operadores do sistema de justiça criminal.

Normalmente, o tipo penal descreve a conduta dolosa, e quando o legislador entende necessário se atribui a forma culposa. Porém, nada impede de se ter tipos penais culposos fechados, como crime de receptação culposa, prevista no art. 180, §3º, do CP.

2 - A DOGMÁTICA PENAL E A TEORIA DO DOLO E DA CULPA.

2.1. Dolo Direto e Dolo Indireto

Na dogmática penal, o dolo pode ser dividido em dolo direito ou determinado e em dolo indireto ou indeterminado. O primeiro se configura-se quando o agente prevê um resultado, dirigindo sua conduta na busca de realizá-lo. Portanto, o dolo direito, é quando o agente quer efetivamente cometer a conduta típica descrita no núcleo do tipo penal incriminador. É o chamado dolo por excelência. Já o segundo, dolo indireto ou indeterminado, o agente, com a sua conduta, não busca resultado certo e determinado. Segundo a doutrina o dolo indireto, ainda pode ser dividido em dolo indireto alternativo e dolo eventual.

O dolo indireto alternativo "é o que se verifica quando o agente deseja, indistintamente, um ou outro resultado. Sua intenção se destina com igual intensidade, a produzir uns entre vários resultados previstos como possíveis [3]". Pode ser exemplificado como agente que desfere um tiro de projetil de arma de fogo contra seu desafeto, com propósito de matar ou causar lesão corporal grave. Sendo responsabilizado pelo que de fato ocorrer.

Contudo, parte da doutrina entende ser essa diferenciação de difícil aplicação, pois seria quase impossível auferir qual é o real dolo do agente no momento da conduta, só sendo mesmo discutido no âmbito da academia.

Desta feita, na prática, o dolo se subdivide em dolo direto e dolo eventual, não sendo o dolo indireto alternativo empiricamente analisado.

2.2. Dolo Eventual

Fala-se em dolo eventual quando o agente embora não queira diretamente o resultado, por ele previsto, assume o risco de produzi-lo, nos termos do já citado o artigo 18, inciso I, do CP.

Segundo Jescheck, "dolo eventual significa que o autor considera seriamente como possível a realização do tipo legal e se conforma com ela" [4].

aparentemente, não se tenha dificuldade em conceituar dolo eventual, sua aplicação prática é deveras controvérsia. Isto porque, diferentemente do dolo direto, o dolo eventual não permite ao intérprete identificar a exteriorização da vontade do agente como elemento integrante do tipo, só se consegue enxergar a consciência, ou seja, nas palavras de Bustos Ramírez e Hormazábla Malarée [6], dolo eventual não passa de uma espécie de culpa com representação, punida mais severamente.

2.3. Culpa Consciente e Culpa Inconsciente

A distinção tem fundamento a previsão do agente sobre o resultado naturalístico consequente da sua conduta praticada.

A previsibilidade é um dos elementos que integram o delito culposo. Sendo assim, quando o agente deixa de prever um resultado que lhe era possível prever, fala-se em culpa inconsciente ou comum.

Contudo, embora o agente prevendo o resultado, não deixar de praticar a conduta acreditando, sinceramente, que este resultado não venha a ocorrer, estamos diante da chamada culpa consciente. O resultado embora previsto, não é em momento algum, assumido ou aceito pelo agente, que confia na sua não ocorrência, o que não acontece por erro de cálculo ou por erra na execução.

Neste sentido, a culpa consciente ou com previsão, é a modalidade de culpa que se manifesta quando o agente, embora preveja o resultado objetivo da sua conduta, acredita sinceramente dado suas habilidades pessoais, que o mesmo não ocorrerá, portanto, com o agente não assume ou aceita o resultado.

Já a culpa inconsciente ou sem previsão, é aquela onde o agente não prevê o resultado que deveria ter sido previsto objetivamente.

Distinguindo-se uma da outra, justamente na parte em que concerne a previsão do resultado, enquanto na inconsciente o resultado, embora previsível, não é imaginado pelo agente, na consciente, o resultado é previsto pelo agente, que confia na sua não ocorrência, como já comentado nesse trabalho.

Nota-se, que a distinção é muito tênue, e só será feita no caso concreto, mediante a análise das provas produzidas e exteriores ao fato.

2.4. Diferença entre Dolo Eventual e Culpa Consciente

A banalização do conceito de dolo eventual, passa pela controvérsia e problemática diferenciação entre os conceitos de culpa consciente ou com representação e do dolo eventual, sobretudo na valoração dos magistrados em delitos de grande repercussão social.

Inicialmente cabe dizer que não obstante, não se tenha maiores problemas de se conceituar os dois institutos, a sua utilização na prática nos conduz a uma série de dificuldades. Pois ao contrário do dolo direto, no dolo eventual não podemos identificar claramente a exteriorização da vontade do agente, como um dos seus elementos integrantes, havendo, somente, a consciência. Portanto, como já afirmamos nesse trabalho, o dolo eventual não passa de uma espécie de culpa com representação, punida mais rigorosa pelo nosso ordenamento.

Na culpa consciente ou com previsão, como dito anteriormente, o agente antecipa mentalmente o resultado tipicamente previsto para delito, ou seja, há previsão, mas acredita baseado nas suas habilidades ou no meio utilizado por ele, que sinceramente o resultado previsto não irá ocorrer. Porém, o resultado previsto e por ele não aceito, ocorre.

Entretanto no dolo eventual, embora o agente igualmente tenha previsto o resultado como possível e o não queira diretamente, assume o risco de produzi-lo, independentemente de acredita na sua realização ou não, tendo como irrelevante sua ocorrência. Ou seja, na culpa consciente o agente acredita sinceramente, que pode evitar o resultado previsto, já no dolo eventual, o agente não quer diretamente produzir o resultado previsto, mas, se este vier acontecer, pouco importa.

Portanto, em ambas as situações o agente tem a previsão do resultado típico de sua conduta pode causar, embora na culpa consciente não admita como possível e, no dolo eventual, admita a possibilidade de se concretizar, sendo-lhe indiferente.

Pela lei penal estão equiparadas a culpa inconsciente e a culpa consciente, e não havendo qualquer ressalva na legislação, "pois tanto vale não ter consciência da anormalidade da própria conduta, quanto estar consciente dela, mas confiando, sinceramente, em que o resultado lesivo não sobrevirá"[9]

2.5. Dolo Eventual e os Crimes de Trânsito

Nos últimos anos a mídia nacional vem repercutindo os delitos de trânsito, em especial quando há morte ou lesão corporal grave da vítima, conjugada com o fato do agente causador ter conduzido o veículo automotor em alta velocidade e após consumir bebida alcoólica.

Outrossim, também é de grande repercussão nos meios de comunicação e causam grande clamor social, quando há mortes ou lesões graves ocasionadas por agentes participava de corridas de rua, como "pegas ou rachas", ainda que sem qualquer ingestão de bebida alcoólica.

Nesse sentido, as recentes alterações no Código Brasileiro de trânsito, sempre no sentido de maior rigor na punição dos delitos culposos tipificados no CTB, em especial os versados nos artigos 302, 303 e 306, todas motivadas pela pressão e repercussão midiáticas, sempre após um acidente de trânsito e as combinações acimas referidas.

As citadas alterações no CTB acarretaram uma completa e total desproporcionalidade nos delitos culposos quando praticadas na direção de veículo automotor, sobretudo se o agente houver ingerido bebida alcoólica, com relação demais condutas culposas do nosso ordenamento jurídico.

Nesse sentido, se o agente após consumir bebida alcoólica voluntariamente, e por culpa ao brincar com seu revólver calibre 38, mata o amigo no bar, a pena de é 1 de 3 anos de detenção, nos termos do art. 121, § 3º, CP. Todavia, se o mesmo agente, no mesmo bar, voluntariamente consome bebida alcoólica, e resolve voltar casa dirigindo seu próprio carro, e causa acidente, matando o mesmo amigo que voltava a pé, a pena § 3º do art. 302, do CTB é de 5 a 8 anos de reclusão.

Além disso, o mesmo CTB, no § 3º do art. 303, prevê a pena de 2 a 5 anos de reclusão, para lesão corporal culposa da natureza grava ou gravíssima na direção de veículo automotor causada por agente em razão da influência do álcool.

Em contrapartida que o art. 129, § 1º, do CP, ao tipificar conduta dolosa de lesão corporal grave, tem pena de 1 a 5 anos de reclusão, e sendo culposa a lesão, em qualquer caso, pena de 2 meses a 1 ano de detenção.

Ainda assim, vários Promotores de Justiça, com aceitação de parte da Magistratura, começaram a tipificar a conduta de dirigir em alta velocidade estando sobre o efeito de álcool, como conduta dolosa, por dolo eventual. No mesmo sentido, para agentes que realizavam pega ou racha, ainda que sem ingestão de álcool. Como no caso do julgamento do REsp 1486745/SP [13], onde o STJ, reconheceu a compatibilidade do homicídio com dolo eventual na direção de carro.

Ocorre que essa suposta compatibilidade ou "fórmula", que tentam criar, como velocidade excessiva mais ingestão de álcool, ser igual a conduta dolosa por dolo eventual, não é dogmaticamente errada, acaba por banalizar o conceito de dolo eventual, e nesses termos, por vulgarizar toda teria do delito.

3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se então, apesar da não existir dificuldade em se conceituar dolo eventual ou culpa consciente, na pratica a diferenciação de deverás tormentosa, e mesmo havendo casos raros de delitos de trânsito que o condutor do veículo estava agindo com dolo eventual após ingerir álcool ou no momento que praticava "pega ou racha", não é pela simples fórmula "matemática" da conjugação de embriaguez com a velocidade excessiva que se pode chegar essa conclusão, e sim pelo seu elemento psicológico, subjetivo, ou seja, na análise do caso concreto, especificamente pelas provas produzidas.

De resto, por mais que o clamor social e a mídia tente influenciar os operadores do direito, não pode o Poder Judiciário,

Escrito por

LG Cury Advogados Associados

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