E a Guarda vai para ...

Aborda os diferentes interesses que motivam a disputa entre os pais pela guarda dos filhos, frequentemente cercada de posturas egoísticas e rancorosas, mesmo em prejuízo dos filhos que amam.

31 AGO 2022 · Leitura: min.
E a Guarda vai para ...

"Dar a cada um o que lhe é de direito". Apoiadas na famosa definição para justiça, milhares de ações tramitam pelo judiciário esperando que o juiz diga solenemente aos pais, separados, quem tem o supremo e legítimo direito de ficar com a guarda do filho ou da filha, buscando ver assim reconhecido um direito que acreditam ser seu. Descuidam, muitos deles, que o principal direito que está em jogo é o dos filhos.

A guarda dos filhos é um dos atributos próprios do exercício do poder familiar, ou seja, dentre os direitos e deveres que se aplicam aos pais, o de cuidar, o de sustentar e o de educar os filhos são atribuições naturais e automáticas.

Essa condição, em tese, não se altera nem quando ocorre a extinção do vínculo conjugal que unia pai e mãe. Vale dizer: o fim do casamento ou da união estável não diminui os direitos e as obrigações decorrentes desse poder parental que pai e mãe têm em relação aos seus filhos, como já deixa claro o Art. 1.634 do Código Civil: "Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: I - dirigir-lhes a criação e a educação; II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; (...)".

Sob esse enfoque, fica evidente por que o modelo de guarda do filhos estabelecido pela Lei como a regra geral é o da guarda compartilhada, pois é o que preserva os poderes parentais existentes antes da separação dos pais. Tanto é assim que é irrelevante o eventual desacordo entre os pais sobre quem deve ficar com a guarda dos filhos, conforme aponta o parágrafo 2º do Art. 1.584: "Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor".

Mas, infelizmente, em alguns casos a separação dos pais gera atitudes e efeitos tão destrutivos que tornam impossível a manutenção da relação de parentalidade nos moldes originais. Situações extremas, como o abandono, a violência ou a prática outros delitos acabam ameaçando o desenvolvimento saudável dos próprios filhos.

Por isso, em caráter excepcional, às vezes o pai ou a mãe acabam tendo que ser tolhidos em parte do seu poder parental original, para a proteção do melhor interesse dos filhos, e a guarda unilateral é então judicialmente aplicada.

Assim sendo, o modelo de guarda dos filhos a ser adotado após a separação dos pais não pode ser visto como uma escolha decorrente da mera conveniência e interesse de qualquer dos pais, pois a imposição de uma mutilação do direito originário do pai ou da mãe, através do exercício unilateral da guarda, só se justifica quando há condições concretas que exigem a aplicação dessa restrição para proteger a criança ou adolescente.

Dito de outra maneira, conviver e crescer na companhia de pai e mãe é um direito de todos os filhos. Acolher, proteger e garantir a saúde e a segurança dos filhos são deveres de todos os pais e de todas as mães. Se pai e mãe vivem juntos ou se já estão separados é outra questão, que em nada diminui esse direito e nem altera esses deveres.

Reconhecida essa verdade, todo o mais são os necessários ajustes e alterações na forma como esses direitos e deveres serão respeitados e preservados, de acordo com as novas necessidades e possibilidades presentes em cada caso particular a ser analisado.

Isso é o que determinará os detalhes da implantação da guarda compartilhada ou, em situações extremas e excepcionais, até mesmo da guarda unilateral, mas em qualquer dos casos tendo em vista os interesses superiores dos próprios filhos, que gozam de prioridade constitucional de proteção, nunca os meros desejos dos pais, às vezes mais empenhados em prejudicar seu ex-cônjuge do que em proteger seus filhos.

Essa é a reflexão necessária nesses nossos tempos. Quando são os sentimentos que determinam nossas posturas e ditam nossas ações, cuidemos para que o afeto sempre supere o rancor. Os filhos, que conviverão por anos com os efeitos dessas nossas escolhas, agradecem desde já.

Créditos da Foto: Smiling girl holding teddy bear on the green grass. Freeepik.com

Escrito por

Júlio César Vidor Sociedade Individual de Advocacia

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